quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ilha da Trindade II



O Perímetro Habitado


             
              Todas as construções do POIT (Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade) são de madeira que abrigam casas do Comando e do Imediato, enfermaria e alojamentos, prédio do rancho e estação rádio, casa de força (Usina Diesel Elétrica), Rádio Sonda (Estação Metereológica) e Carpintaria que ficam numa faixa estreita de dois quilômetros limitada pela praia e a encosta dos morros. Quando estive lá em 1978, não existiam casas de alvenaria; todas as construções eram de madeira. O trânsito entre esses prédios era feito nas estreitas ruas cimentadas, com pouco mais de um metro e meio de largura. Na Trindade faltava tudo que tinha em uma cidade do continente, como carros, lojas, padaria, botecos etc., multidão ansiosa pra chegar a seu destino, postes e luminosos vendendo a marca de um produto; o grito desvairado do ambulante na informalidade. Na Trindade o silêncio é tão presente só quebrado com as ondas se precipitando sobre as pedras na praia.
            Nos primeiros dias já instalados, o Imediato do posto, promoveu uma reunião com os recém-embarcados e apresentou algumas instruções básicas de como proceder na Ilha, por exemplo: não se afastar da área habitada sem um companheiro de lado e quando o fizer informar o destino, levar sempre em seu poder uma peça de cabo, lanterna e faca de marinheiro. Nunca, sob-hipótese alguma, andar descalço na ilha. Um eventual ferimento em membro da guarnição complicaria bastante a permanência dele no posto, embora existisse uma enfermaria para atender emergências e pequenas cirurgias. Em casos mais graves, o socorro teria que vir do continente a 1200 quilômetros.




                                                            O comando do POIT
                                                 

                                                      

            A presença militar na Ilha da Trindade garante ao Brasil a posse do território insular. A ilha com pouco mais de oito quilômetros quadrados ocupa uma posição estratégica no Atlântico Sul. Foi descoberta em 1501 pelo espanhol João da Nova a serviço da Coroa portuguesa. Foi visitada por celebridades como o capitão James Cook e o astrônomo Edmund Halley. Pertenceu à Inglaterra, até fins do século XIX, mas por via diplomática em um Tribunal Internacional, o Brasil ficou com a posse definitiva de Trindade. O posto tem no comando um Capitão de Corveta do corpo da armada da Marinha de Guerra do Brasil e como Imediato, um oficial do corpo médico, sabiamente indicado pelos escalões superiores da Armada.
            Com o advento do ano geofísico internacional em 1957, nasceu o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, POIT. Funciona em sua estrutura uma estação rádio telegráfica – PWH3 – e estação de meteorologia que coleta dados atmosféricos e os envia diariamente para a DHN.
                                                   


                                                           Primeira Incursão
                                  

            Os primeiros dias foram para reconhecimento das instalações e fazer novas amizades. O barracão do alojamento era dividido em dois compartimentos onde alojava sargentos e marinheiros e também uma sala de lazer com poucas opções de entretenimento. O expediente ia das 07h30 às 11h30. Não havia atividades no período vespertino e cada um escolhia o que melhor fazer.
            No meu caso, às 07h30 eu ia para a Casa de Força com meus dois auxiliares colocar os motores em funcionamento e fazer a manutenção nos demais equipamentos. O fornecimento de energia ia até às 14h, voltando a funcionar das 17h às 22h, quando então a ilha ficava as escuras até o início do expediente no dia seguinte. Era uma medida de economia adotada pelo comandante uma vez que a nossa cota de óleo diesel era de 5.000 litros até o próximo abastecimento, sessenta dias depois. Tínhamos na casa de força, uma câmara fria com capacidade para uma tonelada de carne sendo que as geladeiras do posto funcionavam a querosene a exemplo dos aquecedores de água para banho. O rancho funcionava em um barracão vizinho a carpintaria na Praça Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da Ilha. Depois de quinze dias de permanência no posto, dava para sentir a ausência da vida agitada da cidade. Todo começo de uma cabritada (termo usado para o período de cinco meses), as refeições são normais tendo em vista o reforço de alimentos vindo do Rio de Janeiro, mas existia certo controle na distribuição, porque ao desembarcar na ilha, perde-se no mar boa quantidade de mantimentos ao transpor a arrebentação. Assim, dias pra frente o rancho perde quantidade e chega-se a cogitar um racionamento. Na minha cabritada, muita coisa foi tragada pelas ondas e boa parte que chegou a terra vinha totalmente encharcada de água.

 
            No início, o grupo fez as primeiras incursões fora do casario, pois ainda não havia passado dos limites das casas entre o rancho e a estação metereológica, em torno de dois quilômetros. Subimos uma encosta, cerca de cem metros de altura onde fica o cemitério local, com quatorze cruzes, referência aos que morreram na ilha, entretanto, são cruzes simbólicas. Na subida ao cemitério, muita beleza se apresentava a cada passo que se prosseguia nessa incursão. Dessa pequena elevação dava para observar o posto lá embaixo, com o casario todo branco. O solo em Trindade é extremamente acidentado onde nas partes mais baixas proliferam centenas de blocos de pedras de todos os tamanhos que certamente rolaram das partes mais altas em possíveis avalanches. A impressão que se tem é assustadora diante da diversidade de elementos a vista, assim como dos morros e picos gigantescos de expressivas altitudes. Para quem vinha de um aglomerado urbano como o Rio de Janeiro, tudo aquilo era um mundo novo, irreal.
            Completando a nossa missão exploradora, avançamos morro acima pelas trilhas íngremes até a gruta Nossa Senhora de Lourdes, beirando a duzentos metros de altitude e, confesso, foi o ponto que mais me chamou a atenção. A caverna é a maior dentre muitas que existem na ilha, tem cerca de trinta metros de profundidade e alturas internas variando de quatro a oito metros. Dentro dela a escuridão é predominante deixando a todos muito impressionados com o ambiente que se torna solene e austero, mas aos poucos a gente vai se envolvendo com a paz que envolve aquela gruta. No seu interior existe um tesouro; nada de baú com colares de pérolas e moedas de ouro, mas um pequeno acervo histórico como a imagem de Nossa Senhora de Lourdes e as inscrições feitas nas rochas pelos presos políticos do levante do forte de 1922. Entre os nomes gravados (pelos próprios) nas rochas está do então capitão Juarez Távora, militar do exército figura expressiva da política brasileira por mais de quatro décadas. Ainda no seu interior, guarda lembranças e mensagens das primeiras guarnições que passaram pela Ilha: são placas, quadros mensagens desenhadas e escritas e mensagens de agradecimentos à Santa, guardiã da Ilha por um milagre alcançado. Outra coisa que chama a atenção do visitante é uma fonte de água límpida que emerge das frestas das rochas e de sabor inigualável.

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