terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lembranças do Cruzador Barroso



Embarquei no CL- Barroso- C11, em fevereiro de 1959 logo que concluí o curso de ESP/MO no CIAW, e desembarquei em fevereiro de 1962. Foram três anos de aprendizado e de muito orgulho de ter sido membro da guarnição de um dos navios mais famosos da marinha brasileira de todos os tempos. O navio com 185 metros de proa a popa era de uma beleza indescritível. O seu armamento no convés principal encimado pelas cinco torres tripleces de 152 milímetros detinha um poder de fogo fantástico. Na máquina do navio tudo era impressionante. Três praças de caldeiras de vapor saturado e uma praça de vapor superaquecido, a Bravo-4. Duas praças de Máquinas, Charlie –I e Charlie –II onde ficavam os turbos geradores principais e oito turbinas de alta e baixa pressão totalizando 100.000 HP de potência nos quatro eixos. O navio era uma verdadeira cidade flutuante. No compartimento de lazer, a lapa, a guarnição se concentrava após refeições, postos de combate ou cerimônias religiosas onde existia uma capela. O valoroso barco contava com as seguintes comodidades: lavanderia, alfaiataria, sapataria; barbearia, padaria correios e cinema que funcionava na lapa ou no convés principal.



Passagens Relevantes


           
            01- 1959 - A minha primeira comissão no CL Barroso foi ao porto do Rio Grande, RS. Nessa viagem o navio encalhou na saída da barra o que originou uma grande correria a bordo principalmente na praça de máquinas, Charlie II, com a entrada de areia no condensador de água doce. O navio assentado no fundo por ter um grande calado ficou adernado no canal esperando que a maré subisse e voltasse a flutuar normalmente. O mais grave de tudo isso, é que a belonave Apagou, ou seja, o turbo gerador de bordo foi desligado deixando o navio às escuras.  Convém salientar que um navio a vapor quando o gerador apaga enfrenta um grande problema técnico envolvendo operadores de caldeiras, maquinistas e eletricistas que conduzem o navio.
            O2- 1960- Colisão do Navio com um cargueiro norueguês no litoral sul do Rio de Janeiro. Eu estava de serviço no compartimento dos compressores da Frigorífica quando o navio sacudiu violentamente e com o choque, segui-se uma grande correria no corredor que vinha das cobertas de proa. Foi dado alarme com o toque de postos de combate. Guarneci a terceira lancha que estava de prontidão, pois possivelmente teria caído gente no mar. O navio com as máquinas paradas ficou a mercê dos balanços de través, e na tentativa de se lançar a lancha nágua fui vítima de um acidente no convés. O Barroso fez balanço de mais de vinte graus de banda. No choque, a proa do navio entrou por mais de quinze metros.
            O3- 1961- Incêndio na Bravo três, praça de caldeiras, com o navio docado no dique Rio de Janeiro. Foi um dos maiores acidentes com o velho barco. O fogo começou no porão da Bravo-3 e sem controle cresceu rapidamente. O navio estava inoperante no dique, e para agravar a situação o fundo do barco estava aberto para reparos no casco perto da quilha. Aventou-se a possibilidade de alagar o dique. Outro fato que preocupou bastante é que o fogo se alastrou rápido e subiu para o terceiro piso onde ficava a Contadoria, e lá estava todo o dinheiro do pagamento da guarnição. Naquela época o pagamento era feito em espécie. O fogo durou cerca de quatro horas. O corpo de bombeiros do Arsenal de Marinha, requisitou os bombeiros da cidade do Rio de Janeiro para ajudar a debelar as chamas que subiam pelas chaminés. Muita gente ficou intoxicada pela fumaça e era atendida no prédio do AMRJ. O incêndio foi notícia nos jornais do Rio de Janeiro.



Boas lembranças




O4- 1960- Viagem de representação a Lisboa, Portugal, tendo a bordo Excelentíssimo Senhor Presidente da República Dr. Juscelino Kubistchek de Oliveira. O embarque do presidente e sua comitiva se deu na praia de Sezimbra Portugal. Com o pavilhão presidencial no tope do mastro, o velho barco largou direto para Lisboa navegando cerca de cinco horas até a entrada do rio Tejo. Naquela oportunidade o Glorioso Barroso com todas as caldeiras acesas desenvolveu 26 knots por hora.  Vi de perto o Presidente como também suas filhas, Márcia e Maristela. Um destacamento de marinheiros e fuzileiros navais do navio desfilou na Avenida da Liberdade em Lisboa com muito garbo.  Impressionante foi o desfile naval na costa portuguesa onde trinta e duas nações estavam representadas. Terminado o desfile dos navios, foi dada liberdade de ação e mais uma vez o nosso barco fez uma bela corrida acima de 26 knots por hora. Todo o pessoal de caldeiras e máquinas estava em Detalhe Especial para o Mar. Guarneci o túnel do eixo de vante de bombordo junto com outras praças observando a temperatura dos mancais de escora face à alta rotação exigida nos eixos. No mar aberto uma fileira de navios de combate e outra fileira de navios veleiros. Entre essas fileiras passava um Transatlântico português com os presidentes de Portugal Professor Oliveira Salazar e o presidente do Brasil, Dr. Juscelino Kubstcheck em postos de continência.
    Relembro que o barco estava com 1200 pessoas a bordo sob o comando do CMG, Antonio Augusto Cardoso de Castro. Pela primeira vez peguei em Dólar e senti a sua força nas compras que fiz no comércio lusitano. Nas comemorações do quarto centenário da morte do Infante Don Henrique estavam 32 marinhas representadas.







Política de Boa Vizinhança



            05- 1960 - O primeiro porto fora do Brasil foi Las Palmas de Gran Canária, Espanha, onde aproveitei para fazer amigos de forma inusitada.   Com permissão do Imediato do navio levei cinco quilos de café para terra, pois sabia que na Europa o produto brasileiro era muito apreciado. Junto com um amigo de bordo, o CB-MA Sales, sorteamos aleatoriamente uma casa em um bairro distante da cidade. A família agraciada nos recebeu muito bem e aceitou de bom grado o precioso café brasileiro que ofertamos. Essa forma inusitada de apresentação nos levou a conhecer os principais pontos turísticos da cidade, entre os quais a Cratera de La Bandama a 2000 metros de altitude e a casa de Cólon. Ficamos por muito tempo amigos da Família Rojas.
            O segundo porto foi à cidade de Cádiz, no sul da Espanha perto do estreito de Gibraltar atraindo muita gente no cais do porto. O povo muito curioso nos cercava de perguntas sobre o Brasil e principalmente sobre o Crucero Barroso, um Buque fantástico. A cidade de Cádiz de mais de 800 anos era de uma beleza singular com seu casario medieval. Por toda a cidade tinha marinheiros do velho barco. A playa de La Vitória na Baia de Cádiz estava apinhada de turistas e moradores do lugar e nós marinheiros impressionados com o serviço de bar nas areias com garçons uniformizados era pra nós brasileiros uma grande novidade, era tudo alegria. Um fato digno de nota adveio do passeio na praia quando observamos que as banhistas (mulheres) ao sair da água tiravam a parte de cima do Biquíni para enxugar os seios, coisa que não se via aqui no Brasil. Foi o suficiente para a guarnição em peso voltar às areias daquele balneário no dia seguinte.
            Por via terrestre fomos à cidade de Sevilha região da Andaluzia. Como as demais cidades européias, Sevilha também muito antiga de casas seculares com um grande número de referências impressionantes: Plaza de toros, os dançarinos Flamengos e principalmente a monumental Catedral de Sevilha.

                                                        Rotina de Sexta Feira                                                                       


             Relembro da Rotina de Sexta Feira quando a marujada com uma sandália feita de mangueira de lona esfregava o convés com areia na cadência da banda de Fuzileiros Navais tocando hinos e dobrados militares. Outra coisa que ficou marcado era quando a guarnição nas horas de lazer se concentrava no grande compartimento apelidado de Lapa para bate papo e lazer.
            Presenciei um fato interessante na Praça de Máquinas- Chalie- II, quando eu estava carregando o grupo de Ar Comprimido de 4000 libras que serviria para abrir os cilindros de recuo dos canhões de 152 mm.  Um segundo tenente recém embarcado, com cara de menino, era assessorado por oficiais superiores e com muita reverencia contrariando o que aprendi sobre hierarquia. Descobri depois que aquele segundo tenente era descendente direto da família real. O boy era um Orleans e Bragança
            06-1976- Para encerrar, presenciei um fato lamentável no cais sul do AMRJ, isso em 1976, quatorze anos depois de ter desembarcado do Cruzador. Eu estava fazendo pesquisa sobre refrigeração para o curso de aperfeiçoamento de MO no Arsenal de Marimha na Ilha das Cobras. Emocionado subi a prancha do Velho Barco que já estava desativado. No portaló não tinha mais Oficial de serviço, Contramestre nem Ronda. Apenas um grupo de conservação estava a bordo e um bom número de Maçariqueiros cortando com fogo os canhões históricos da torre três. Que pena!



 Passagem da Linha do Equador



            Na travessia Rio de Janeiro Las Palmas o navio fez uma estada no então Território Federal de Fernando de Noronha para compensação da agulha. Na oportunidade um helicóptero de bordo sobrevoou a Ilha com mensagem do comando de bordo. O navio largou para a Europa com seus 1200 homens a bordo cruzando a linha do equador acima dos rochedos de São Pedro e São Paulo onde se procedeu a festa de batismo dos neófitos que invadiram os domínios do Rei dos mares, senhor dos ventos e das tempestades, o Rei Netuno. O meu nome de batismo foi do peixe Pargo. Foi um acontecimento marcante no meio de tanta gente embarcada. Na popa, foi improvisada uma grande piscina de lona onde os calouros eram jogados pelos “carrascos” da guarda de Netuno. A bandeira da caveira, símbolo dos piratas, ficou hasteada no mastro principal do Glorioso Cruzador Barroso até o fim da brincadeira. Ainda na travessia o navio prestou homenagem póstuma aos mortos do Cruzador Bahia na segunda guerra mundial na Estação 13.


Natal, Junho de 2007

Mário de Araújo Monteiro.