sexta-feira, 1 de março de 2013

Ilha da Trindade IV



                             O Pico do Desejado


            Quando um membro da guarnição está integrado com os meandros da Ilha passa a encarar desafios mais ousados, a ver sem temor obstáculos que antes seriam intransponíveis e se aprofundar em pontos mais difíceis e um desses desafios é chegar ao Pico do Desejado (602m). Quem passa pelo POIT e não vai ao Teto da Ilha é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. È como o lugar mais alto do pódio em uma competição esportiva.  Para se chegar ao cimo tem que se transpor uma série de trilhas, a maioria delas apagadas e outras demarcadas com cal, escalar barreiras e escarpas e passar colado em uma parede que forma o Valadão. Esse trecho é o resultado da erosão que se formou ao longo do tempo, um rasgo gigantesco no centro da Ilha.
            Para mim, foi o ponto mais crítico da caminhada até o topo. A 450 metros de altitude tem-se acesso a uma localidade conhecida como Cela onde o terreno forma uma espécie de praça que se apraz a descanso e o mais importante á observação dos acidentes da Ilha lá embaixo: Morro do Paredão, Praia do Príncipe, Ponta dos Farilhões, Praia das Tartarugas e bem distante, 40 milhas náuticas a Leste, o arquipélago de Martim Vaz, tudo visto em pequenas dimensões em virtude estarmos acima desses acidentes a mais de 400 metros de altitude. A beleza de tudo lá embaixo é indescritível. Sentados naquela altitude ninguém se atrevia a falar, bastava ver tudo e se conscientizar que poucas pessoas no mundo têm o privilégio de estar num universo tão surpreendente. A Subida prossegue em Zig-Zag serpenteando bases de morros e quando não, praticando alpinismo amador. O preparo físico foi determinante nessa aventura.
            Finalmente alcançamos o Ponto Culminante da Ilha da Trindade! Exaustos e muito emocionados, exultamos aquela conquista. Guardando as proporções, é como um montanhista alcançar o Pico da Neblina com 3014 metros de altitude, o ponto mais alto do Brasil no noroeste do Estado do Amazonas. Ali no topo da Ilha eu observei a vastidão do Oceano, formando de onde estávamos uma circunferência colossal. Eu me imaginava o vértice de tudo aquilo. Para deleite do grupo encontramos naquele ponto uma matinha com plantas e arbustos um espetáculo de rara beleza. Explorando a área, encontramos as decantadas Samambaias Gigantes de até seis metros de altura remanescente da flora devastada desde as primeiras ocupações, e como representante da fauna, proliferavam lá em cima os caranguejos gigantes (encontrado somente no Desejado) diferente dos crustáceos amarelos da parte baixa da Ilha. Via-se também no topo de um morro abaixo conhecido como Fazendinha, um pequeno bando de ariscas Galinhas D’angola popularmente conhecidas no nordeste brasileiro como Guinés. O nosso grupo teve o privilégio de assistir a um espetáculo belíssimo de múltiplos Arco-íris lá embaixo encobrindo a parte habitada, motivado pelo Pirajá que desabava naquela hora.
            Satisfeitos, esbanjando muito orgulho por ter alcançado o ponto mais famoso da Ilha o grupo desce sem problemas até o nível do mar. Eu particularmente estava exultante e querendo logo anotar a Invasão do Desejado.
                                                                  
                                                   
Curiosidades


            Com o passar do tempo na Trindade, tomamos conhecimento de fatos pitorescos e até inimagináveis. Comentando sobre A Rotina fiz referencia ao fenômeno das águas na praia com a aproximação de uma pessoa notadamente nos lugares ermos como presenciei na base do morro do paredão onde existe um túnel. Dessa feita me refiro a Pedra da Garoupa localizada na Praia do Príncipe. Essa pedra ficou temida e conhecida pelo triste episódio envolvendo dois membros de guarnição anterior a nossa, que perderam suas vidas quando pescavam sobre ela, daí estigmatizada como Pedra da Garoupa.
        A sua posição na praia com maré baixa é um convite para subir ao seu topo (3 metros) e jogar a linha na água. Junto com outros companheiros a curiosidade nos levou até lá. Para chegar à praia do Príncipe onde fica a pedra, faz-se uma descida de 200 metros em uma encosta de declive acentuado parecendo mais uma parede e o surpreendente nesse sitio é um cheiro muito forte de enxofre por toda sua extensão, aliás, essa área se estende ao morro do paredão onde existem crateras do vulcão extinto. Ficamos na beira dágua observando as inscrições gravadas na face da gigantesca rocha: duas estrelas e duas cruzes, princípio e fim de dois guardiões do POIT.  O mar estava calmo e as águas chegavam à beira dágua em fluxo e refluxo bem de mansinho. Absortos, com os olhos grudados na pedra, inesperadamente fomos surpreendidos por uma carga dágua que nos empurrou para terra firme. Eu particularmente tive receio de ficar naquele lugar, pois aquilo me lembrava do que aconteceu na plataforma do Túnel. Outro fato semelhante ocorreu na Praia das Cabritas no norte da Ilha onde existem piscinas naturais de águas transparentes. Com a minha proximidade das águas, o mar que estava manso foi aos poucos aumentando o vai-vem das ondas, e surpreendentemente o local ficou ressacado o que me fez sair prudentemente daquele lugar. São coisas assim que fazem da Trindade um lugar surpreendente e fascinante.    A Ilha está plantada naqueles confins a milhões de anos e o contingente humano que pisou o seu solo em épocas remotas deixou a nefasta marca da devastação de sua flora. Até parece que esses fortuitos incidentes são uma represália do mar às guarnições contemporâneas.

                                                                    Praia das Tartarugas


            A Praia das Tartarugas, segundo biólogos, é um ponto de desova desses quelônios e a Trindade é sempre visitada por elas deixando cada uma cerca de 130 ovos enterrados na areia. Realmente é a única praia na ilha que tem uma extensão muito grande de areia. Movidos pela curiosidade fomos ao local a noite munidos de lanternas e bem agasalhados, uma vez que fazia frio, mais pela rajada de vento que soprava na hora. Se chegar a essa praia com a luz do sol era difícil, pior ainda durante uma noite sem lua. Caminhando em fila indiana, transpomos as barreiras naturais até pisar as areias fofas do sítio dos quelônios. Acendemos nossas lanternas e varremos o lugar com fachos de luz.              
Encontramos facilmente uma enorme representante acabando de cobrir com areia o buraco onde tinha deixado seus ovos. Fomos ao seu encontro checar de perto. Era um belo exemplar de tamanho, e de peso, que teria aproximadamente setenta quilos, a cabeça e o pescoço de grandes bitolas insinuavam uma tartaruga adulta. Para tirar fotos foi preciso deixá-la de barriga pra cima até o dia seguinte para aproveitar a luz do dia. Depois das fotos ajudamos à centenária (?) tartaruga seguir rumo ao mar deixando atrás dela o rastro sulcado pelas longas barbatanas.

Um comentário:

  1. Deixar a tartaruga de barriga para cima para ter um retrato do mesmo é no mínimo um absurdo que só o ser humano é capaz!

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