RB Marlin |
O mar estava bom para trabalhar
naquele dia de junho de 2002. Pequenas ondas batiam no bico de proa do Rb Marlin,
(foto) originando pequenos balanços. Vez por outra uma vaga maior sacudia
o navio com mais vigor. Era o vigésimo dia de embarque dos trinta e cinco
estipulados no contrato com a empresa Astro Marítima Navegação. O cozinheiro do
navio acordou às 04h30 da manhã e preparou em poucos minutos a copa e cozinha
para a primeira refeição do dia. Naquele horário, somente três homens estavam
de serviço: um no Passadiço, comandando o barco, o outro na praça de máquinas,
(eu próprio) e o Homero como era chamado o mestre cuca, marujo antigo na
empresa e que desfrutava de bom conceito do comando do navio. Muito afeito a arrumação
de sua área, ele ultimava os detalhes com a louça e talheres postos à mesa para
o café da manhã que seria servido a partir das seis horas. Tudo pronto deixou o
compartimento da cozinha e embrenhou-se no corredor que dá acesso ao convés
principal pela popa. Ele gostava muito de pescar, e quando tinha uma folga, por
menor que fosse, lançava mão do carretel de linha (0,80) à cata de grandes Cavalas
do fundo do mar. Diga-se de passagem, Homero, era um exímio pescador quando
fora de serviço. No terceiro arremesso de sua linha, ele lembrou de que faltava
algo a fazer, e incontinenti, enrolou a linha de volta ao carretel saindo célere
a câmara frigorífica para retirar carne para o rancho do meio dia. Puxou a
tranca da pesada porta deixando-a entreaberta, uma vez que o mar estava Espelhado,
(tranqüilo) como dizemos, e lá dentro puxou um
fardo de carne congelada. Um balanço mais forte do navio o fez perder o
equilíbrio e com isso a robusta porta fechou o compartimento com o nosso amigo
preso lá dentro.
No
passadiço o comandante conferia os instrumentos de navegação e lançava os olhos
no horizonte. Pela proa via as plataformas PUB-2, PUB-3 e por boreste a uma boa
distancia a PAG-2. De bombordo dava pra ver a costa de Macau por trás da PUB-15.
O mar já mudara de espelhado para brando e os balanços não eram os mesmos. Cardoso,
o competente comandante, pega o telefone interno e liga para a salinha
- como era conhecida a copa do navio- e ninguém atendeu; minutos depois volta a
ligar e fica sem resposta. Dá uma olhada no mar pela proa, ativa o Piloto Automático e resolve ir lá
embaixo tomar um gole de café. Desceu as escadas de acesso aos camarotes e em
seguida outro lance de escadas chegando à entrada da copa. A salinha estava
vazia; não se queixou, e como sempre fazia sentou-se na primeira cadeira e
pediu: - Oi, Homero, me traz um pequeno-
Sem obter resposta, o austero comandante levantou-se e foi até a portinhola de
acesso à cozinha, e viu que lá não estava o cozinheiro. Um pouco contrariado
voltou depressa à cabine de comando desativando o Piloto Automático. Estava na hora de sair o café e o mestre Cuca
não estava no seu posto. Enquanto isso o homem de serviço na máquina sobe ao
corredor de acesso ao convés e vai até a copa tomar um cafezinho. O telefone
interno da Copa tocava insistentemente e o foguista atendeu:
- é da copa sim, não, não está!
No
interior da câmara fria um homem lutava pela vida envolto numa temperatura de 12 graus abaixo de zero. O seu corpo começara a absorver a temperatura
ambiente que era muito baixa e o pânico tomava conta do homem. Num ato de pura
infelicidade, a porta do frigorífico fechou-se para ele com um balanço do
navio. No escuro e sem encontrar o botão que acionaria o alarme de gente
presa no compartimento, Homero
entrou em momentos de pavor. Gritava com todas as forças e esmurrava a porta
estanque da Câmara. Sentia muito frio, como sentia também que o seu corpo
começava a se enrijecer. Tentava se aquecer com as próprias mãos, friccionando
os braços e pernas; respirava com dificuldade, pois a quantidade de oxigênio no
compartimento tinha caído sensivelmente. Começou a rezar achando ter chegado a
sua hora. Caído no estrado de madeira entre fardos de carne e frutas caídas das
prateleiras, achou que o seu cérebro estava encolhendo, pois, já não coordenava
mais seus pensamentos. Enquanto isso no convés principal, na popa, quatro
homens procuravam pelo chefe da cozinha do Rebocador. Visivelmente preocupados caminharam
depressa ao compartimento da frigorífica o único dos compartimentos do navio que não
tinha sido ainda verificado. O comandante no passadiço avisa pelo fonoclama que o navio ia atracar na
PUB-2 para receber água industrial. Os homens se dividiram em dois grupos: um
foi atender o chamado do comando e os outros dois avançaram direto à câmara
fria. Homero sentiu renascer ao ver que a porta se abriu bruscamente
acompanhada de claridade e uma lufada de ar quente. Sua mente voltou logo a funcionar melhor.
Estava ele em uma posição de autodefesa, todo encolhido com os braços
protegendo o tórax, morrendo de frio. Foi retirado às pressas e levado ao
corredor para ser mais bem assistido. Perto de uma hipotermia o nosso amigo
passou por todos os procedimentos de restauração da temperatura corporal e
horas depois voltou a suas atividades. No comando do barco junto à empresa,
ficou clara a necessidade urgente de intensificar-se o adestramento no que diz
respeito à segurança e o conhecimento de cada homem das instalações de bordo.
Nota. Esse relato é baseado em fato real. Trabalhei com o Homero muitos
turnos de 35 dias no Campo de
Ubarana- RN e também na Bacia de Paracuru no Ceará.
Natal, 09 de Janeiro de 2008- Mário de Araújo Monteiro.
Essa estória é muito boa e se assemelha mesmo a produções de Hollywood, apesar de ser verídica.
ResponderExcluirO texto também é muito bom, continue postando!