sábado, 4 de agosto de 2012

Marujos Safos


Vivendo grande parte da minha vida a bordo de navios e bases navais, muitos fatos pitorescos aconteceram entre fainas e horas de lazer. Casos simples, diria até ingênuos, mas, diante de situações impostas pelo serviço de natureza militar o pitoresco aí se configurava. Se não vejamos:
        Em 1972 o meu navio, Corveta Ipiranga, V 17 sediado no Terceiro Distrito Naval, (Natal, RN) largou do cais da Base Alte. Ari Parreiras para o Porto de Santos, para fazer reparos no motor de bombordo que estava avariado. Seria uma estada prolongada, beirando uns três meses.   Em Santos fora de sua sede o navio atracado em cais comercial despertou a curiosidade de segundos e terceiros sargentos que pretendiam baixar terra em trajes civis, uma vez que na época não era permitido baixar terra a paisana. A solicitação foi levada ao comandante que sumariamente negou as pretensões dos graduados; não estava no regulamento. (artigo 7º do RDM).  O assunto foi esquecido, mas estava latente na cabeça dos sargentos e voltou com intensidade quando o navio atracou no cais Santista, depois de nove dias de mar. Logo após a atracação, como era de praxe, o comandante foi se apresentar na capitania dos portos, e a bordo a guarnição iniciava os procedimentos de rotina, como a arrumação do barco e principalmente a baldeação.
Terminado o expediente, é dado o toque de volta as faxinas, banho e uniforme e o esperado, Licenciado formar. A marujada ansiosa pra baixar, terra se alinha no Portaló (sala de recepção) e depois de inspecionada pelo oficial de serviço desce a prancha rumo ao “Chão” sem antes fazer a respeitável continência à Bandeira nacional hasteada no mastro de popa. No pátio do porto, afastados do navio, os marujos descobriram um vagão de trem que pela aparência estava há muito tempo naquele ponto. Depois de breve inspeção descobriram que o vagão estava desativado naqueles trilhos, as rodas enferrujadas davam a entender que estava muito tempo parado.
Resumindo, o vagão encostado serviria para troca de roupa a exemplo do que acontecia na Rua Primeira de Março no Rio de Janeiro, os famosos “Armários” onde a marujada trocava de roupa. Assim, por muitos dias o vagão já era o local de troca de farda por trajes civis. Equacionou-se o problema que o comando tinha negado. Tudo corria tranqüilo a galera saía de bordo trocava de roupa deixava-as no vagão e de lá ia pra terra, visitar a cidade e lá pras tantas da matina de volta pra bordo fazia-se a operação inversa, tirava o Paisano vestia a farda e seguia pra bordo. Sempre o vagão tinha roupas, em seu bojo, era como uma extensão dos alojamentos de bordo.
A coisa estava tão legal que alguns “Soqueiros” (notívagos) tiravam até um “Ronco” (cochilo) por lá. Olha, nada fica impune ou mesmo de graça quando se está na ilegalidade. No meio da Comissão teve um feriado inopinado. A oficialidade daria uma recepção a uma comitiva de suas relações. O fonoclama do navio anunciou:- “atenção, hoje o licenciamento será mais cedo, só fica a bordo o Quarto de Serviço”! Claro que a galera gostou. Em poucos minutos o Portaló estava lotado de licenciados lembrando que os Sargentos não eram inspecionados.
Após a inspeção deixaram o navio e se mandaram pra Zona uma vez que ninguém era Filho da Terra deixando suas tralhas na coberta improvisada. No interior do vagão um amontoado de roupas, cintos caxangás, tinha até pasta de dente. Já o clima a bordo era de cordialidade e de muito bom gosto com os comes e bebes aos convidados, enquanto que na ZBM a galera curtia batida de limão com sanduba. Na hora de voltar pra bordo à marujada caminha trôpega e sonolenta. Na entrada do cais um dos Soqueiros mais sóbrio pergunta para o vigia:- “hei amigo, cadê o vagão da gente?” –“Sei que tomei uns trecos, mas bem que dá pra enxergar um vagão de trem.” O vigia que estava num cochilo pesado dá um bocejo e responde com mau humor: - “Oh, não, já é a segunda vez que me acordam nessa noite; ainda ha pouco, a droga de uma locomotiva chegou aqui no pátio recolhendo tudo quanto é vagão velho, deve ter ido pras bandas do interior”.
            A correria foi geral porque não eram somente os segundos e terceiros sargentos que trocavam de roupa no vagão. Muitos apavorados com o sumiço do vagão alugaram táxis e partiram para uma estação mais na frente para reaver suas fardas e poder entrar no navio sem problemas. Na época a regra era clara, segundos e terceiros sargentos para baixo tinham que estar com farda para entrar e sair de bordo.

              Natal, 22 de Fevereiro de 2007

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