O Pico do Desejado
Quando um membro da guarnição está
integrado com os meandros da Ilha passa a encarar desafios mais ousados, a ver
sem temor obstáculos que antes seriam intransponíveis e se aprofundar em pontos
mais difíceis e um desses desafios é chegar ao Pico do Desejado (602m).
Quem passa pelo POIT e não vai ao Teto da
Ilha é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. È como o lugar mais alto do
pódio em uma competição esportiva. Para
se chegar ao cimo tem que se transpor uma série de trilhas, a maioria delas
apagadas e outras demarcadas com cal, escalar barreiras e escarpas e passar colado
em uma parede que forma o Valadão. Esse trecho é o resultado da erosão que se
formou ao longo do tempo, um rasgo gigantesco no centro da Ilha.
Para mim, foi o ponto mais crítico da
caminhada até o topo. A 450
metros de altitude tem-se acesso a uma localidade
conhecida como Cela onde o terreno
forma uma espécie de praça que se apraz a descanso e o mais importante á observação
dos acidentes da Ilha lá embaixo: Morro do Paredão, Praia do Príncipe, Ponta dos
Farilhões, Praia das Tartarugas e bem distante, 40 milhas náuticas a
Leste, o arquipélago de Martim Vaz, tudo visto em pequenas dimensões em virtude
estarmos acima desses acidentes a mais de 400 metros de altitude.
A beleza de tudo lá embaixo é indescritível. Sentados naquela altitude ninguém
se atrevia a falar, bastava ver tudo e se conscientizar que poucas pessoas no
mundo têm o privilégio de estar num universo tão surpreendente. A Subida
prossegue em Zig-Zag serpenteando bases de morros e quando não, praticando
alpinismo amador. O preparo físico foi determinante nessa aventura.
Finalmente alcançamos o Ponto
Culminante da Ilha da Trindade! Exaustos e muito emocionados, exultamos aquela
conquista. Guardando as proporções, é como um montanhista alcançar o Pico da Neblina com 3014 metros de altitude,
o ponto mais alto do Brasil no noroeste do Estado do Amazonas. Ali no topo da
Ilha eu observei a vastidão do Oceano, formando de onde estávamos uma
circunferência colossal. Eu me imaginava o vértice de tudo aquilo. Para deleite
do grupo encontramos naquele ponto uma matinha com plantas e arbustos um espetáculo
de rara beleza. Explorando a área, encontramos as decantadas Samambaias Gigantes
de até seis metros de altura remanescente da flora devastada desde as primeiras
ocupações, e como representante da fauna, proliferavam lá em cima os
caranguejos gigantes (encontrado somente no Desejado) diferente dos crustáceos amarelos
da parte baixa da Ilha. Via-se também no topo de um morro abaixo conhecido como
Fazendinha, um pequeno bando de ariscas Galinhas D’angola popularmente
conhecidas no nordeste brasileiro como Guinés. O nosso grupo teve o privilégio de
assistir a um espetáculo belíssimo de múltiplos Arco-íris lá embaixo encobrindo
a parte habitada, motivado pelo Pirajá
que desabava naquela hora.
Satisfeitos, esbanjando muito
orgulho por ter alcançado o ponto mais famoso da Ilha o grupo desce sem problemas
até o nível do mar. Eu particularmente estava exultante e querendo logo anotar a
Invasão do Desejado.
Curiosidades
Com o passar do tempo na Trindade,
tomamos conhecimento de fatos pitorescos e até inimagináveis. Comentando sobre A Rotina fiz referencia ao fenômeno das
águas na praia com a aproximação de uma pessoa notadamente nos lugares ermos
como presenciei na base do morro do paredão onde existe um túnel. Dessa feita me
refiro a Pedra da Garoupa localizada
na Praia do Príncipe. Essa pedra ficou
temida e conhecida pelo triste episódio envolvendo dois membros de guarnição
anterior a nossa, que perderam suas vidas quando pescavam sobre ela, daí estigmatizada
como Pedra da Garoupa.
A sua
posição na praia com maré baixa é um convite para subir ao seu topo (3 metros) e jogar a linha
na água. Junto com outros companheiros a curiosidade nos levou até lá. Para chegar à praia do Príncipe onde fica a
pedra, faz-se uma descida de 200
metros em uma encosta de declive acentuado parecendo
mais uma parede e o surpreendente nesse sitio é um cheiro muito forte de
enxofre por toda sua extensão, aliás, essa área se estende ao morro do paredão onde
existem crateras do vulcão extinto. Ficamos na beira dágua observando as
inscrições gravadas na face da gigantesca rocha: duas estrelas e duas cruzes, princípio e fim de dois guardiões do POIT. O
mar estava calmo e as águas chegavam à beira dágua em fluxo e refluxo bem de
mansinho. Absortos, com os olhos grudados na pedra, inesperadamente fomos
surpreendidos por uma carga dágua que nos empurrou para terra firme. Eu
particularmente tive receio de ficar naquele lugar, pois aquilo me lembrava do
que aconteceu na plataforma do Túnel. Outro fato semelhante ocorreu na Praia das
Cabritas no norte da Ilha onde existem piscinas naturais de águas transparentes.
Com a minha proximidade das águas, o mar que estava manso foi aos poucos
aumentando o vai-vem das ondas, e surpreendentemente o local ficou ressacado o
que me fez sair prudentemente daquele lugar. São coisas assim que fazem da
Trindade um lugar surpreendente e fascinante. A
Ilha está plantada naqueles confins a milhões de anos e o contingente humano
que pisou o seu solo em épocas remotas deixou a nefasta marca da devastação de
sua flora. Até parece que esses fortuitos incidentes são uma represália do mar às
guarnições contemporâneas.
Praia das Tartarugas
A Praia das Tartarugas, segundo biólogos,
é um ponto de desova desses quelônios e a Trindade é sempre visitada por elas
deixando cada uma cerca de 130 ovos enterrados na areia. Realmente é a única
praia na ilha que tem uma extensão muito grande de areia. Movidos pela
curiosidade fomos ao local a noite munidos de lanternas e bem agasalhados, uma
vez que fazia frio, mais pela rajada de vento que soprava na hora. Se chegar a
essa praia com a luz do sol era difícil, pior ainda durante uma noite sem lua.
Caminhando em fila indiana, transpomos as barreiras naturais até pisar as
areias fofas do sítio dos quelônios. Acendemos nossas lanternas e varremos o
lugar com fachos de luz.
Encontramos
facilmente uma enorme representante acabando de cobrir com areia o buraco onde
tinha deixado seus ovos. Fomos ao seu encontro checar de perto. Era um belo
exemplar de tamanho, e de peso, que teria aproximadamente setenta quilos, a
cabeça e o pescoço de grandes bitolas insinuavam uma tartaruga adulta. Para
tirar fotos foi preciso deixá-la de barriga pra cima até o dia seguinte para
aproveitar a luz do dia. Depois das fotos ajudamos à centenária (?) tartaruga
seguir rumo ao mar deixando atrás dela o rastro sulcado pelas longas
barbatanas.
Deixar a tartaruga de barriga para cima para ter um retrato do mesmo é no mínimo um absurdo que só o ser humano é capaz!
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