O Perímetro Habitado
Todas as construções do POIT (Posto
Oceanográfico da Ilha da Trindade) são de madeira que abrigam casas do Comando
e do Imediato, enfermaria e alojamentos, prédio do rancho e estação rádio, casa
de força (Usina Diesel Elétrica), Rádio Sonda (Estação Metereológica) e Carpintaria
que ficam numa faixa estreita de dois quilômetros limitada pela praia e a encosta
dos morros. Quando estive lá em 1978, não existiam casas de alvenaria; todas as
construções eram de madeira. O trânsito entre esses prédios era feito nas
estreitas ruas cimentadas, com pouco mais de um metro e meio de largura. Na
Trindade faltava tudo que tinha em uma cidade do continente, como carros,
lojas, padaria, botecos etc., multidão ansiosa pra chegar a seu destino, postes
e luminosos vendendo a marca de um produto; o grito desvairado do ambulante na
informalidade. Na Trindade o silêncio é tão presente só quebrado com as ondas
se precipitando sobre as pedras na praia.
Nos
primeiros dias já instalados, o Imediato do posto, promoveu uma reunião com os recém-embarcados
e apresentou algumas instruções básicas de como proceder na Ilha, por exemplo: não
se afastar da área habitada sem um companheiro de lado e quando o fizer
informar o destino, levar sempre em seu poder uma peça de cabo, lanterna e faca
de marinheiro. Nunca, sob-hipótese alguma, andar descalço na ilha. Um eventual
ferimento em membro da guarnição complicaria bastante a permanência dele no
posto, embora existisse uma enfermaria para atender emergências e pequenas
cirurgias. Em casos mais graves, o socorro teria que vir do continente a 1200 quilômetros.
O comando do POIT
A
presença militar na Ilha da Trindade garante ao Brasil a posse do território
insular. A ilha com pouco mais de oito quilômetros quadrados ocupa uma posição
estratégica no Atlântico Sul. Foi descoberta em 1501 pelo espanhol João da Nova
a serviço da Coroa portuguesa. Foi visitada por celebridades como o capitão James
Cook e o astrônomo Edmund Halley. Pertenceu à Inglaterra, até fins do século
XIX, mas por via diplomática em um Tribunal Internacional,
o Brasil ficou com a posse definitiva de Trindade. O posto tem no comando um
Capitão de Corveta do corpo da armada da Marinha de Guerra do Brasil e como
Imediato, um oficial do corpo médico, sabiamente indicado pelos escalões
superiores da Armada.
Com o advento do ano geofísico
internacional em 1957, nasceu o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, POIT.
Funciona em sua estrutura uma estação rádio telegráfica – PWH3 – e estação de meteorologia
que coleta dados atmosféricos e os envia diariamente para a DHN.
Primeira Incursão
Os
primeiros dias foram para reconhecimento das instalações e fazer novas
amizades. O barracão do alojamento era dividido em dois compartimentos onde
alojava sargentos e marinheiros e também uma sala de lazer com poucas opções de
entretenimento. O expediente ia das 07h30 às 11h30. Não havia atividades no
período vespertino e cada um escolhia o que melhor fazer.
No meu caso, às 07h30 eu ia para a Casa
de Força com meus dois auxiliares colocar os motores em funcionamento e fazer a
manutenção nos demais equipamentos. O fornecimento de energia ia até às 14h,
voltando a funcionar das 17h às 22h, quando então a ilha ficava as escuras até
o início do expediente no dia seguinte. Era uma medida de economia adotada pelo
comandante uma vez que a nossa cota de óleo diesel era de 5.000 litros até o
próximo abastecimento, sessenta dias depois. Tínhamos na casa de força, uma
câmara fria com capacidade para uma tonelada de carne sendo que as geladeiras
do posto funcionavam a querosene a exemplo dos aquecedores de água para banho. O
rancho funcionava em um barracão vizinho a carpintaria na Praça Nossa Senhora
de Lourdes, padroeira da Ilha. Depois de quinze dias de permanência no posto,
dava para sentir a ausência da vida agitada da cidade. Todo começo de uma cabritada (termo usado para o período
de cinco meses), as refeições são normais tendo em vista o reforço de alimentos
vindo do Rio de Janeiro, mas existia certo controle na distribuição, porque ao
desembarcar na ilha, perde-se no mar boa quantidade de mantimentos ao transpor
a arrebentação. Assim, dias pra frente o rancho perde quantidade e chega-se a
cogitar um racionamento. Na minha cabritada, muita coisa foi tragada pelas
ondas e boa parte que chegou a terra vinha totalmente encharcada de água.
|
Completando a nossa missão
exploradora, avançamos morro acima pelas trilhas íngremes até a gruta Nossa
Senhora de Lourdes, beirando a duzentos metros de altitude e, confesso, foi o
ponto que mais me chamou a atenção. A caverna é a maior dentre muitas que
existem na ilha, tem cerca de trinta metros de profundidade e alturas internas
variando de quatro a oito metros. Dentro dela a escuridão é predominante
deixando a todos muito impressionados com o ambiente que se torna solene e
austero, mas aos poucos a gente vai se envolvendo com a paz que envolve aquela
gruta. No seu interior existe um tesouro; nada de baú com colares de pérolas e
moedas de ouro, mas um pequeno acervo histórico como a imagem de Nossa Senhora
de Lourdes e as inscrições feitas nas rochas pelos presos políticos do levante
do forte de 1922. Entre os nomes gravados (pelos próprios) nas rochas está do
então capitão Juarez Távora, militar
do exército figura expressiva da política brasileira por mais de quatro décadas.
Ainda no seu interior, guarda lembranças e mensagens das primeiras guarnições
que passaram pela Ilha: são placas, quadros mensagens desenhadas e escritas e mensagens
de agradecimentos à Santa, guardiã da Ilha por um milagre alcançado. Outra
coisa que chama a atenção do visitante é uma fonte de água límpida que emerge
das frestas das rochas e de sabor inigualável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário